sexta-feira, 5 de março de 2010

(...)
O cesto de roupa suja está transbordando. Ele remexe as peças; escolhe a camisa verde e a calça preta que usara dois dias antes. "Nem suei tanto na terça-feira". Aquele movimento faz com que pequenas moscas se dispersem e logo migrem para o novo alojamento: a cozinha, mais precisamente na fruteira repleta de frutas podres.
Dá umas batidinhas para tirar a poeira e desamassar um pouco.
Já vestido, dá uma última olhada no espelho. "Estou pronto!".
S não sente os odores que exala. Dentro do elevador a falta de ventilação contribui para o massacre olfativo dos demais moradores. O "bom dia" de muitos era descer 10 andares sentindo aquela catinga abafada, um fedor morno de quem não tomou banho.
Já a experiência olfativa daqueles que compartilham com S um dos vagões no trem não é a mesma. Desta vez é o azedume. Sim, porque antes de chegar a estação, S caminha quase 1km em rua não arborizada, sob sol escaldante.
As pessoas afastam-se. Como pode? Um homem de boas aparências, bem penteado (o cabelo organizado e molhadinho de gel) ? Uma miscelânia de cheiros ruins. O desodorante já era.
Segue ao escritório. Sua função? Bombril. Eficiência total em entregas externas. Transpiração a mil sempre!
Dona Rita, a secretária que sempre determina as tarefas a serem realizadas, pensa: "Como dar um toque para S sobre a fedentina ?"
S finaliza mais uma jornada 'transpirante' de trabalho. Faz o percurso contrário da ida. Volta. Desta vez, socializando um odor mais apurado, quase que insuportável.
Chega em casa. Joga as chaves sobre a mesa. Come alguma coisa na sala assistindo ao telejorna. Tira os sapatos; descola as meias dos pés; deposita a roupa no cesto. "Estou exausto!", resmunga. Vai ao banheiro, lava o rosto. Do espelho vê a cama chamando-o para novos sonhos. Enxuga o rosto com força.
Já deitado, abre as pernas na direção do ventilador. Aquele vento forte espalha a catinga de virilha suada. O roça-roça das pernas flácidas do andarilho S e a ojeriza a banho fazem com que esta região seja um tanto escura e encaroçada.
O vento bate fortemente e vai secando toda a sudorese do corpo ficando apenas a camada de gordura escura, expelida pelas incasáveis glândulas sebáceas de S, que não param de trabalhar.
O sono chega e ele adormece com a leveza de quem faz o mesmo após horas na ducha ou na banheira.
The End
Marcela Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário